Das novas ideias às dificuldades na execução: a estreia oficial da Argentina de Jorge Sampaoli
![Argentina teve dificuldades na estreia de Sampaoli em jogos oficiais](https://cdn.espn.com.br/image/wide/622_adc2a339-57f1-3360-9cbf-c115bc45c996.jpg)
A 15ª rodada das Eliminatórias da América do Sul para a Copa do Mundo de 2018 trazia consigo uma grande expectativa em território argentino: a estreia oficial de Jorge Sampaoli à frente de sua seleção (antes, dois amistosos: Brasil e Singapura). Com Tite, Neymar & Cia. já classificados para a Rússia, o clássico contra o duro Uruguai acabou por ser a atração da noite no continente. Se por um lado o confronto em Montevidéu não foi dos melhores tecnicamente, por outro nos trouxe claramente algumas ideias que o novo treinador alviceleste planeja. Mas foi na execução destes conceitos que vieram os problemas.
A Argentina esteve longe de ser brilhante. Mas teve o controle na maior parte do jogo, com duas coisas sempre buscadas por Sampaoli em suas equipes: posse de bola e jogo no campo do adversário. Por outro lado, faltou a intensidade de jogo tão característica no seu Chile campeão Sul-Americano. No geral, tudo dentro de uma normalidade no início de um trabalho que, devemos sempre lembrar, não tem o dia a dia de clube como suporte.
Treinar seleções, como sabemos bem, é uma faca de dois gumes: se trabalha com o melhor material humano,mas se perde com treinamentos, fator determinante para a criação de um modelo coeso e vitorioso. O Chile treinado pelo argentino, por exemplo, teve nada mais nada menos que 4 anos de projeto. A grande questão, no entanto, é o momento de sua chegada, que deixa tudo urgente. Hoje a Argentina, na quinta posição, teria uma repescagem pela frente.
As mudanças já começaram na plataforma de jogo. Nada das variações de 4-4-2 e 4-2-3-1 que vinham sendo usadas por Edgardo Bauza. A ideia inicial de Sampaoli teve como base o sistema 3-4-2-1, uma leve variação do 3-4-3 tão usado com a seleção chilena (veja o posicionamento argentino na ilustração mais abaixo).
Só a alteração da linha defensiva por si só já se trata de uma ruptura significativa na aplicação do jogo. Diferentes posturas sem a bola, maior espaço de coberturas e, principalmente, mais agressividade de seus três zagueiros. Todas ideias que foram até bem absorvidas defensivamente. De fato os hermanos pouco sofreram, sobretudo com os sempre perigosos contra-ataques uruguaios.
Sampaoli posicionou Fazio, o zagueiro com menos mobilidade e maior estatura, centralizado. O deixou em uma situação de menos exposição, com menos embates pessoais e mais ações de cobertura. Essa tarefa, principalmente na hora de desgarrar e pressionar o portador da bola, ficou nas mãos de Mercado (pela direita) e Otamendi (pela esquerda). Mais móveis e com melhor repertório no 1x1 e na troca de direção, ambos foram de grande importância para "abafar" as transições do adversário.
Em organização ofensiva, durante a iniciação das jogadas, quem estava no lado da bola tinha mais liberdade para avançar e buscar um passe mais vertical. Quando Mercado - que também atua como lateral-direito - assim fazia, Otamendi fechava por dentro no lado oposto. Tal estratégia servia para o outro zagueiro lateral também.
Mas talvez tenha sido nessa primeira etapa de construção do jogo que a Argentina tenha revelado sua grande dificuldade na partida. Esse plano de saída acarretou em uma sequência de deficiências até o passe final. Junto deste trio de zagueiros, existia uma grande aproximação dos volantes Pizarro e Biglia. Com características mais posicionais e de organização por trás, faltou gente circulando próximo à entrada do terço ofensivo do campo.
Pizarro e Biglia levantavam a cabeça e viam o seguinte cenário na fase ofensiva: Acuña (pela direita) e Di Maria (pela esquerda) bem avançados. Os alas, neste caso, tinham a missão de abrir o campo. Ao dar essa amplitude, muitas vezes também com profundidade, acabavam deixando de ser apoios relevantes. Quando essa bola entrava em um deles pelas beiradas, os uruguaios pressionavam com muita gente o setor e essa bola voltava a ser passada para trás. Enquanto isso, apenas Messi e Dybala trabalhavam entre as duas linhas de 4 do time de Óscar Tabárez (veja na segunda ilustração abaixo).
DATAESPN
No primeiro campo, a Argentina na plataforma usada contra o Uruguai. Na segunda, a dificuldade para criar jogadas
Esse posicionamento "encaixotado" vivido por Messi e Dybala - as grandes referências técnicas da equipe - foi um problema crucial para o volume ofensivo argentino não ter sido maior. Mais adiantado, Icardi tinha a responsabilidade de gerar profundidade, incomodando os zagueiros como pivô e, principalmente, arrastando a linha defensiva uruguaia para o mais perto do gol possível. Praticamente não saiu dali. Não dá para saber se foi uma ordem ou mesmo questão das características do centroavante, mas faltou uma dinâmica neste espaço.
Em vários momentos, até saindo da ideia de se posicionar entrelinhas, Messi recuava para buscar a bola e tentava uma jogada individual. Em uma ou outra escapada, sempre usando o duelo pessoal com dribles e arrancadas, o camisa 10 conseguiu desequilibrar a organização do adversário. Dybala, por outro lado, esteve bastante apagado. Se prendeu ao posicionamento entrelinhas e pouco encostou no lado esquerdo, deixando Di Maria sem apoios e situações para triangulação.
A falta de associações pelos lados do campo também passa a ser um problema a ser resolvido. Tanto Acunã como Di Maria sofreram neste quesito. Sem grande aproximação dos companheiros, acabaram apostando apenas em corridas em profundidade. Di Maria, por exemplo, explorou bem o espaços nas costas de Cáceres. Mas, de forma geral, pouco foi construído pelas faixas laterais.
Quando a seleção argentina não tinha bola os alas alternavam momentos em que fechavam na linha defensiva. Não foi uma regra, mas feito quando necessário. O jogador do PSG, inclusive, foi muito exigido neste sentido e, de fato, deu uma boa resposta nestes retornos. Não é uma situação ideal, mas com adaptação e muito estímulo, Di Maria pode vir a ser uma peça importante nesta função.
Com todo este contexto desenhado até aqui: volantes trabalhando por trás, alas dando amplitude e Messi/Dybala neutralizados e em inferioridade numérica no setor que preenchiam, faltou mobilidade. Talvez a necessidade tenha sido de um jogador com características diferentes no setor dos volantes. Alguém até menos organizador, só que mais agressivo, infiltrador e dinâmico. Justamente para, em determinados momentos, se juntar à dupla "encaixotada" ou mesmo atacar espaços na área uruguaia vindo de trás. Outra saída poderia ter sido atuar com um 9 mais móvel, que saia da referência em alguns momentos e trabalhe o jogo curto por dentro, ajudando a criar espaços na linha defensiva.
No geral não foi um grande desempenho da Argentina (muito menos do Uruguai). Mas foi possível observar alguns planos para curto/médio prazo. Já existe um modelo de jogo sendo colocado em prática, mesmo que ainda pouco absorvido pelos aletas. E Sampaoli agora corre contra o tempo para fazer deste grande apanhado de qualidades uma unidade sólida, criativa e competitiva. Na corrida pela vaga na Copa do Mundo, ele precisará se desdobrar para achar saídas. Afinal, não tem longo prazo para quem pegou o bonde andando (e com mais da metade do caminho percorrido!). Qualidade para isso Sampaoli tem.
Créditos: Renato Rodrigues
Créditos: Renato Rodrigues
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